segunda-feira, novembro 14, 2005

Baba

A minha sobrinha de seis meses, Adriana, mudou felizmente de atitude para com o mundo e transformou-se num ser adorável, de riso fácil sempre disposto para a palhaçada e o regabofe.
Deixou de vez, portanto, a má disposição e a vida do comer e do dormir. Agora, são duradouros os momentos em que faz companhia a quem a visita e não são raras as vezes em que tenta conversar, dizer qualquer coisa, mas já se sabe como são estas coisas, tudo leva o seu tempo, e diz quem sabe, que o português é um castigo aprender. Se para os que cá estão aos anos, dizer uma frase em condições já é o que é, agora imagine-se para quem apareceu há meia dúzia de dias.
Mas da última vez que a visitei, estava particularmente bem disposta. Distribuiu simpatia e amabilidade e deu para perceber que tem uma inexplicável adoração pelo tio.
Mas o que me encheu de felicidade foi o facto da Adriana ter entrado na fase mais extraordinária de qualquer ser humano, a fase oral.
Sempre me emocionaram as cenas em que alguém entrevista uma mãe de criança ao colo e a criança tenta morder o microfone. A Adriana está nessa fase. Tudo o que vê, toca de experimentar o sabor.
“Oh Adriana! O telemóvel não é para pôr na boca.”
Mas qual quê. Do mesmo modo que não fala o português, também não o entende.
“Oh Adriana! A carteira do tio não é para pôr na boca.”
Nestas idades convém sempre uma pessoa andar sempre de olho e não se distrair com mais nada.
“Oh Adriana! Mas que raio! O DVD não é para engolir!”
Aquilo deve ser do dente que lhe nasceu. Deve de lhe dar vontade do experimentar, de saber para que é que serve.
“Oh Adriana! A pantufa do pai não é para comer.”
Mas com tanta mudança na vida da Adriana, uma coisa ainda não se alterou, a capacidade de produzir baba. Raios partam a miúda que se está sempre a babar, o que acaba por ser incomodativo se, tal como eu, se está três horas a brincar com ela.
Quando a minha irmã me deu a entender que já estava na hora de ir embora e que devia deixar a Adriana em paz, aproveitei uma leve distracção da progenitora para tentar a minha sorte:
“Mas onde diabo está a Adriana? Ai meu Deus que eu não sei da miúda! Oh! Vá lá, Hugo deixa-te de brincadeiras parvas e dá-me a minha filha!”
Ao contrário da minha sobrinha, a minha irmã nunca muda. Desde pequena que nunca emprestou nada a ninguém.


terça-feira, novembro 01, 2005

Futebol

O futebol é uma cena tão baril que supera tudo e mais alguma coisa no que toca à sempre ancestral arte de arranjar uma desculpa para deixar a mulher em casa e ir ter com a amante por meia dúzia de horas.
Antigamente, se bem se lembram, a desculpa era sempre a mesma, ou se ia caçar, ou se ia pescar.
No entanto, para infortúnio de muitos maridos, estas duas opções só surtiam efeito ao Domingo e por isso a coisa tendia a complicar-se quando a amante pedia mais e a mulher repetidamente se queixava, coitada, com alguma razão:
“Nunca me fazes companhia nenhuma ao fim-de-semana.”
É pois neste contexto que surge o futebol. A aleatoriedade do dia da semana em que os jogos são marcados e o monstruoso compromisso competitivo das equipas, permite que uma pessoa possa estar mais vezes com a concubina e menos com a esposa. Sexta, sábado e domingo são os dias do campeonato, às terças, quartas e quintas são as competições internacionais que, se o seu clube for dos bons, lhe permitirão fazer algumas e constantes sigilosas visitas a meio da semana que sempre permitem relaxar do stress do trabalho.
“Aonde é que vais?”
“Vou à bola, onde é que queres que eu vá? Tens com cada uma tu!”
Durante a última década não havia melhor que ser do FCP. Agora a coisa está a mudar e se realmente está a pensar seriamente em ser um animal adúltero, faça o que eu lhe digo, escolha um clube, de preferência o Benfica que tem mais possibilidades de sucesso e seja o que Deus quiser. Mas por tudo o que é mais sagrado, nunca, em condições algumas prefira o Sporting, é que esses nem Deus quer. Não vai desejar, concerteza, levantar suspeitas:
“O quê???? Preferes ir ver esses coxos do que estar comigo????? Temos de pensar seriamente na nossa relação, ai temos, temos.”
Seja como for nunca se esqueça de confirmar o resultado ante de chegar a casa, não me fique a gaguejar em frente à inquisição:
“Então? Ganharam?”
Quando era mais novo refugiei-me no futebol para não estudar. Nessa altura o Benfica conquistava os troféus todos e passeava o seu esplendor pela relva de toda a Europa. Até tinha uma claque e tudo. Éramos os Gota de Sangue. Não era uma claque muito grande, na verdade éramos só eu, o Violão e o Falcão, mas tínhamos sempre o nosso lugar marcado e gritávamos Benfica sempre que as outras claques gritavam. Mas o que nós queríamos mesmo era baldarmo-nos ao estudo, isso apesar da tentativa de boicote da minha mãe:
“É só bola, bola, bola, o estudo que é bom é que nada.”
Um dia fomos ver o Penafiel. Chovia a cântaros e apanhei, sem qualquer dúvida, a maior molha de sempre. Ainda hoje quando penso nisso sinto logo os pés molhados e frios. Aliás basta ouvir a palavra Penafiel para que me venha à memória os 15100 litros que Deus despejou sobre os Gota de Sangue. Na altura os estádios não tinham coberturas e quando chovia, meus amigos, estávamos feitos ao bife.
Nessa partida com o Penafiel ganhámos com um golo de Magnusson, esse sueco meio tosco que marcava que se fartava. O pior foi quando cheguei a casa:
“Olha bem para a tua figura! Tu achas bem? Ficas já avisado que se acabou o futebol. Se quiseres bola, ouves o relato. Agora despe já essa roupa, toma um banho e antes de te deitares bebe um copo de leite quente. Isto realmente só visto, só visto, porque contado ninguém acredita.”
Por isso, a partir desse dia nunca mais fui sócio do glorioso clube da águia. Fiquei-me pela televisão e pelos relatos. Mas no outro dia, após aquela vitória suada e merecida vitória no campeonato do ano passado ainda pensei em voltar a ser sócio:
“Querida, posso comprar o Kit novo sócio’”
“Não, claro que não, não vês que este ano tens de estudar?”