Quem vier morre

As vitórias do Benfica são sempre comemoradas por mim com grande alarido. Não é de estranhar, portanto, que após a vitória do Benfica frente ao Liverpool, agora ex-campeão europeu, surgisse em mim uma febre nostálgica dos idos ano 80, princípios do 90 em que o clube da águia passeava a sua classe nos grandes palcos europeus.
Veio-me à memória um jogo recente com o Inter de Milão para os oitavos de final da Taça Uefa, ainda lá estava o Camacho. O resultado tinha sido de 0-0 no estádio da Luz e esse jogo tinha sido pautado por uma azelhice tremenda dos nossos jogadores que falharam para aí, em contas muito por alto, uns 500 golos. Pelo menos.
O jogo da segunda mão, em São Siro, adivinhava-se de grande dificuldade para as papoilas saltitantes, mas a fé era grande e já se sabe como é o Benfica, espera-se sempre o melhor.
Infelizmente não pude ver o jogo porque, para cúmulo do azar, tinha um teste de Direitos Cuneiformes na faculdade à mesma hora. Fui para o teste com a cabeça na bola, enquanto respondia, com a minha sabedoria característica, às questões levantadas pelo professor. Interrogava-me várias vezes sobre como estaria o resultado. Felizmente para mim, na associação de estudantes, vários benfiquistas assistiam ao jogo pela televisão e cada vez que o glorioso marcava um golo a faculdade rebentava de alegria sendo o estardalhaço muito, de forma que na sala onde fazia o teste sentia-me informado sobre os golos que o meu clube de coração marcava.
Com a marcação do primeiro golo e a euforia que se seguiu, fui forçado a sorrir. Apetecia-me saltar da cadeira e partilhar o momento de alegria com os outros adeptos, mas a boa educação fez-me continuar sentado na cadeira divagando, sem me apetecer, sobre o direito da mulher nas sociedades neo babilónicas. Seja como for senti uma alegria crescente e parecendo que não, após a marcação do primeiro golo, as palavras saiam-me mais facilmente e a elaboração das respostas apresentava-se mais pertinente.
Passado algum tempo, outra explosão de alegria se fez ouvir. O Benfica tinha marcado o segundo. Estava no papo. Dois golos fora de casa constituíam um resultado deveras positivo, pelo que não foi de estranhar que fizesse o resto do teste de sorriso aberto nos lábios e com o sangue a ferver de contentamento. O professor notou:
- Você hoje está contente. Espero que seja pelo teste ser fácil.
Não era difícil, verdade seja dita, mas também não era uma brincadeira de crianças.
Mais tarde um terceiro tento entrou na baliza do Inter e mais uma vez os meus colegas que estavam na sala da associação de estudante gritaram a plenos pulmões:
- Golo.
Foi aí que comecei a escrever mais depressa. Três golos ao Inter e eu metido numa sala de aula. Apetecia-me sair dali o mais depressa possível e ver aquilo na televisão. Saber quem tinha marcado, assistir às repetições e fazer parte da festa. Beber uma cerveja ou duas e ir para o Marques de Pombal comemorar. A última resposta ao teste foi dada sem grande convicção, o que se compreende devido ás circunstâncias.
Acabei o teste com a maior rapidez que consegui e sai da sala a correr até à associação de estudantes. Quando lá cheguei deparei-me com a sala em silêncio o que era de estranhar devido ao que tivera ouvido. Tanta gritaria e agora tudo em silêncio. Esta gente nem parece ser do Benfica.
Quando interroguei os presentes a resposta veio seca:
- Pá, perdemos 4-3.