Mandamentos
Eu, antes de tudo, tenho de confessar que, na maior parte da minha juventude odiei o Natal. Não era um ódio razoável, como o ódio que se tem ao Serginho, mas um ódio que me deprimia e que me tornava anti-social, resmungão e mal-educado para com o próximo. No auge da minha irreverência disse ao padre lá de Moscavide que, coitado, me tentava, sabe-se lá porquê, mudar a visão sobre o acto de amar:
“Eu quero é que o próximo se lixe!”
Foram palavras mal medidas, é certo, mas que vincaram ao Sr. padre o meu singelo e perspicaz ponto de vista, a tal ponto de riscar, das conversas futuras que teve comigo, o tão importante décimo mandamento.
Como é de prever, eu reagia muito mal a símbolos da quadra. A presépios mal amanhados, a cânticos desgraçadamente entoados, a Pais-Natal e a renas de má reputação e, principalmente, a embrulhos de volume desnecessário.
A razão é simples. Num dos primeiros Natais após ter recebido o meu primeiro subsídio, fiz questão de me armar em bom samaritano e gastei 3 quartos do que tinha em prendas para os meus. Estava entusiasmado, até porque, para um puto de 17 anos, ter tanto dinheiro era sinal de prosperidade. Então aquilo foi prendas para as namoradas (na altura as coisas nesse particular até corriam razoavelmente bem), para o pai, para a mãe, a irmã, para este, para àquele, enfim, para todos.
No final da noite, quando fiz as coisas à vida, deparei-me com uma maquia em dinheiro vergonhosamente inferior à despesa que tive, vários pares de peúgas e cuecas azuis, bem como dois livros do Nicholas Sparks que, feliz ou infelizmente, não eram iguais. Mas foram as palavras da minha avó que me marcaram:
“Olha que as cuecas azuis são para vestires no ano novo para dar sorte.”
Menos mal. Mas não sei como raio fazia aquilo, parecia mau-olhado ou coisa que o valha que, cada vez que as vestia, o ano ainda corria pior que o anterior. Menos namoradas, mais idas ao dentista, mais despesas parvas, enfim…
Bem dizia o meu avô que gostava muito das músicas do José Cid e que tinha os seus próprios mandamentos, sendo este o primeiro:
“Não te esqueças que neste mundo ninguém dá nada a ninguém.”
Mas entretanto nasceu a minha sobrinha Adriana que agora fez sete meses e que me tem derretido a melancolia e melado o azedume.
Dum momento para o outro quero comprar tudo para ela. O brinquedo que faz isto, o brinquedo que faz aquilo, os puzzles e a constante lenga-lenga das senhoras empregadas das lojas:
“Isto é o melhor que pode oferecer a uma criança de sete meses. Repare como o cubo só consegue ser introduzido no espaço destinado para o efeito. Mais cedo ao mais tarde a criança vai associar o cubo a este buraco de forma a desenvolver o seu raciocínio.”
Depois, ciente de ser um tio que contribui para o desenvolvimento do intelecto da sobrinha, ofereço o brinquedo e a Adriana, em vez de colocar o cubo no respectivo espaço, põe-se feita parva a tentá-lo engolir.
Na verdade é isto que se passa com todos os brinquedos. Qualquer coisa que se dê à Adriana ela põe logo na boca. Se lhe oferecesse, por idiota e infeliz suposição, um Ferrarri, ela não descansava enquanto não tentasse engolir o cavalinho.
Mas nem isso é capaz de esfriar a minha veia consumista para com a Adriana que, diga-se de passagem, está cada vez mais gira. Apesar de babado, não sou, felizmente, daqueles tios que diz à boca cheia que a sobrinha é mais inteligente que os outros. Preferia, mil vezes, que ela fizesse o maldito puzzle que lhe ofereci em vez do tentar meter na boca, mas tudo se remete para o segundo mandamento do meu avô que lhe saia cada vez que estava particularmente preguiçoso:
“Cada coisa a seu tempo. Cada coisa a seu tempo.”
Neste ano, imbuído dum estranho espírito natalício fartei-me de comprar coisas para a minha sobrinha linda. A minha namorada ainda tenta fazer-me ver as coisas tal qual elas são:
“Tu compras montes de coisas à miúda e ainda não compraste nada a ninguém. Vais chegar a dia 25 com tudo por comprar.”
Mas cá para mim está é com ciúmes. Estas coisas, pelo que ouvi dizer, são mesmo assim. Há sempre pessoas que não gostam de dividir o amor. Sempre que chego a casa com embrulhos pergunta-me logo:
“Essas prendas são para quem?”
São para a Adriana, claro.
Mas se pensam que o meu pendor consumista desacelerou, estão muito bem enganados. Antes pelo contrário, cada dia aumenta mais, ao ponto de, quando ia comprar finalmente o primeiro presente, que por sinal era um perfume dos bons para a minha mãe, sou confrontado com uma triste realidade:
“O seu saldo não lhe permite fazer o levantamento, deseja realizar outra operação?”
O que me leva a pensar no 3º mandamento do meu avô:
“Nunca gastes mais do que aquilo que tens.”
“Eu quero é que o próximo se lixe!”
Foram palavras mal medidas, é certo, mas que vincaram ao Sr. padre o meu singelo e perspicaz ponto de vista, a tal ponto de riscar, das conversas futuras que teve comigo, o tão importante décimo mandamento.
Como é de prever, eu reagia muito mal a símbolos da quadra. A presépios mal amanhados, a cânticos desgraçadamente entoados, a Pais-Natal e a renas de má reputação e, principalmente, a embrulhos de volume desnecessário.
A razão é simples. Num dos primeiros Natais após ter recebido o meu primeiro subsídio, fiz questão de me armar em bom samaritano e gastei 3 quartos do que tinha em prendas para os meus. Estava entusiasmado, até porque, para um puto de 17 anos, ter tanto dinheiro era sinal de prosperidade. Então aquilo foi prendas para as namoradas (na altura as coisas nesse particular até corriam razoavelmente bem), para o pai, para a mãe, a irmã, para este, para àquele, enfim, para todos.
No final da noite, quando fiz as coisas à vida, deparei-me com uma maquia em dinheiro vergonhosamente inferior à despesa que tive, vários pares de peúgas e cuecas azuis, bem como dois livros do Nicholas Sparks que, feliz ou infelizmente, não eram iguais. Mas foram as palavras da minha avó que me marcaram:
“Olha que as cuecas azuis são para vestires no ano novo para dar sorte.”
Menos mal. Mas não sei como raio fazia aquilo, parecia mau-olhado ou coisa que o valha que, cada vez que as vestia, o ano ainda corria pior que o anterior. Menos namoradas, mais idas ao dentista, mais despesas parvas, enfim…
Bem dizia o meu avô que gostava muito das músicas do José Cid e que tinha os seus próprios mandamentos, sendo este o primeiro:
“Não te esqueças que neste mundo ninguém dá nada a ninguém.”
Mas entretanto nasceu a minha sobrinha Adriana que agora fez sete meses e que me tem derretido a melancolia e melado o azedume.
Dum momento para o outro quero comprar tudo para ela. O brinquedo que faz isto, o brinquedo que faz aquilo, os puzzles e a constante lenga-lenga das senhoras empregadas das lojas:
“Isto é o melhor que pode oferecer a uma criança de sete meses. Repare como o cubo só consegue ser introduzido no espaço destinado para o efeito. Mais cedo ao mais tarde a criança vai associar o cubo a este buraco de forma a desenvolver o seu raciocínio.”
Depois, ciente de ser um tio que contribui para o desenvolvimento do intelecto da sobrinha, ofereço o brinquedo e a Adriana, em vez de colocar o cubo no respectivo espaço, põe-se feita parva a tentá-lo engolir.
Na verdade é isto que se passa com todos os brinquedos. Qualquer coisa que se dê à Adriana ela põe logo na boca. Se lhe oferecesse, por idiota e infeliz suposição, um Ferrarri, ela não descansava enquanto não tentasse engolir o cavalinho.
Mas nem isso é capaz de esfriar a minha veia consumista para com a Adriana que, diga-se de passagem, está cada vez mais gira. Apesar de babado, não sou, felizmente, daqueles tios que diz à boca cheia que a sobrinha é mais inteligente que os outros. Preferia, mil vezes, que ela fizesse o maldito puzzle que lhe ofereci em vez do tentar meter na boca, mas tudo se remete para o segundo mandamento do meu avô que lhe saia cada vez que estava particularmente preguiçoso:
“Cada coisa a seu tempo. Cada coisa a seu tempo.”
Neste ano, imbuído dum estranho espírito natalício fartei-me de comprar coisas para a minha sobrinha linda. A minha namorada ainda tenta fazer-me ver as coisas tal qual elas são:
“Tu compras montes de coisas à miúda e ainda não compraste nada a ninguém. Vais chegar a dia 25 com tudo por comprar.”
Mas cá para mim está é com ciúmes. Estas coisas, pelo que ouvi dizer, são mesmo assim. Há sempre pessoas que não gostam de dividir o amor. Sempre que chego a casa com embrulhos pergunta-me logo:
“Essas prendas são para quem?”
São para a Adriana, claro.
Mas se pensam que o meu pendor consumista desacelerou, estão muito bem enganados. Antes pelo contrário, cada dia aumenta mais, ao ponto de, quando ia comprar finalmente o primeiro presente, que por sinal era um perfume dos bons para a minha mãe, sou confrontado com uma triste realidade:
“O seu saldo não lhe permite fazer o levantamento, deseja realizar outra operação?”
O que me leva a pensar no 3º mandamento do meu avô:
“Nunca gastes mais do que aquilo que tens.”
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