terça-feira, abril 11, 2006

Mordomias

O sítio onde me costumo saciar com uma bela e suculenta alheira chama-se Valente. Valente é o apelido do Sr. Valente, que além de ser o dono do restaurante é também o responsável por tirar os cafés e as imperiais. Ele diz, inchado no seu orgulho, que são as melhores do mundo, mas a mim não me engana ele. Aquilo, vi eu com os próprios olhos, são imperiais que já vêm mortas do barril. Não sei como raio ele faz a habilidade, mas tirar uma imperial daquela maneira deveria ser considerado uma arte. É que nem uma gota de gás se emancipa no líquido. A minha adorada sobrinha que já vai nos 10 meses e que gatinha sem problemas para a frente e para trás, conseguiria tirar uma melhor imperial.
Mas um dia um cliente, habituado às vicissitudes da cerveja, reclamou pela qualidade do produto. Mas sem êxito. Teve a resposta que não merecia:
- Quer você agora ensinar-me a mim como se tira um imperial? Essa é boa!
Depois, ferido na sua vaidade, passou o resto do repasto do desgraçado a provocar:
- Essa é boa! Com que então não sei tirar uma imperial! Só faltava esta agora.
Além desse atributo, o Sr. Valente mexe na caixa registadora. É ponto de honra. Gosta de contar aos mais curiosos, sob o olhar de desagrado dos empregados, o segredo do seu negócio:
- Um gajo para não ser enganado tem de ser ele a mexer no dinheiro! Se não tá bem lixado. Ó! Ó!

Mas nem sei porque razão falo no Sr. Valente. De quem eu quero escrever é do Ferreira. O Ferreira é empregado do Valente há mais de uma década. Não são amigos, mas também não se dão mal. Ferreira acha que é mal pago, mas o Sr. Valente acha que não. Da discussão ninguém pode ser juiz porque diz a boa educação que não se fala de negócios à frente de estranhos. Mas cá para mim o Ferreira deve ter razão. As cozinheiras, que por acaso sem ser a alheira não cozinham nada de especial, queixam-se do mesmo. São mal pagas.
- Pode ser fuinha, mas não o podemos acusar de não pagar a horas. Nisso é verdade. Pode ter todos os defeitos, mas pagar, paga sempre a tempo e horas!
O truque para a alheira sair tão bem, segundo contam, é a forma como se fazem os furos nela e a temperatura do óleo quando salta para a frigideira.
- O sr. Hugo é que não sabe, mas digo-lhe que se você comesse uma alheira de Boticas, daquelas feitas com amor, iria ver a diferença. Até lhe vinham as lágrimas aos olhos.

Uma das particularidades do Ferreira é a sua má disposição diária para com os clientes. Os habituais e os ocasionais. Já lá vou há três anos e nunca o vi a ser simpático para ninguém, nem para os dementes que lhe deixam gorjeta. Devo confessar que tenho uma mórbida atracção por empregados de má vontade. Não sei. Gosto de pedir uma coca-cola ao Ferreira e receber de volta:
-Já vai.
E se insisto:
- Já disse que já vai.
São estes modos que conquistam a clientela. Uma vez uma senhora, coitada, teve o azar de receber a demasia em carência.
- O Sr. enganou-se, eu dei-lhe 20 euros e estou a receber 10 de troco.
A resposta do Ferreira foi o que se esperava e a Sra. saiu do restaurante a chamar-lhe todos os nomes a que tinha direito manchando-lhe a virilidade e a conduta sexual da mãe. Podia ter sido roubada em 10 euros, mas as palavras que vociferou valeram bem a pena. Cada vez que a senhora apontava com maus modos a masculinidade do Ferreira toda a gente ria a bandas largas. Ferreira foi enxovalhado. Mas as últimas palavras foram dele.
- Vaca de merda!
O carisma do Ferreira é tão grande e os seus modos tão aditivos que ainda hoje essa mulher lá vai. É certo que entre empregado e cliente não existe qualquer troca de palavra. Ela pede o seu repasto apontando para a lista e ele traz-lhe o pedido em silêncio.

Mas o Ferreira como qualquer homem que se preze mudou. Ainda pensei que seria uma paixoneta qualquer, mas não. Estranhei, como toda a gente que costuma comer no restaurante, os súbitos bons modos do Ferreira. Os clientes, apesar de ser difícil de acreditar, são agora recebidos por um bom dia, faça favor de me acompanhar, o que deseja.
Às senhoras afasta a cadeira para se sentarem, e se tiverem o casaco vestido o Ferreira prontifica-se a ajudar. Sempre que o copo se apresenta vazio, Ferreira apressa-se a enchê-lo e até pergunta, quando passa pela mesa, se está tudo bem, se deseja mais alguma coisa. Até, caso o cliente hesite, é bem capaz de aconselhar o vinho que fique bem com o prato. E se o cliente for fumador é o Ferreira que se apressa a acender-lhe o cigarro evitando que o freguês perca tempo à procura de lume.
Rapidamente o mistério foi resolvido. O Dr. Cerqueira, advogado de pouca fama e com cara de ser um grande vigarista chegou e explicou:
- Então ó Ferreira, diz lá se não gostaste? Até tavas maluco ó Ferreira. Aquilo é que foi comer hum? Diz lá à malta se aquilo não é uma categoria.
Afinal o Ferreira, portista de nascimento, tinha apostado com o Cerqueira que o Porto iria ganhar ao Sporting. O Cerqueira que não é homem para se calar e que gosta muito de se armar ao pingarelho aceitou logo o desafio e apostou um jantar no Gambrinus. Claro que se o Ferreira ganhasse o Cerqueira perdoava-lhe a dívida em troca duma sapateira no Ramiro. Mas o Cerqueira ganhou e sem eu saber como, cumpriu a palavra. Levou o bom do Ferreira ao Gambrinus.
- Diz lá ó Ferreira se aquilo não é atendimento como deve ser. Até te acenderam o charuto!

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Amei o "Ó!Ó!". E antes de saber que o Ferreira era do Porto estava a imaginá-lo tavirense. Se gostas de ser maltratado vai lá passar um dia...
"Na sê" é o mais simpático que conseguirás ouvir.

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