terça-feira, outubro 25, 2005

Não batam mais no ceguinho

As sucessivas derrotas do Sporting ultimamente, fizeram-me recordar dos loucos e idos anos 80 quando era ainda petiz e tentava a todo o custo evidenciar-me no sempre difícil espaço escolar.
Todos os anos, a minha escola secundária organizava um torneio de futebol entre as turmas que por lá abundavam. Era o evento que todos os rapazes ansiavam para se mostrar às raparigas que assistiam interessadas aos desafios.
“Ele é tão lindo.”
Aquilo basicamente tendia sempre para o mesmo lado, as turmas do 9º ano ganhavam sempre. Tinham maior envergadura física e por isso a vitória era sempre garantida. A única questão em aberto era o resultado. Nós, como éramos do 7º ano pouco tínhamos a ambicionar, mas entrávamos em campo cheios de esperança em, duma forma ou de outra, contrariar as leis da natureza.
A nossa equipa chamava-se os invencíveis. Não sei quem raio inventou o nome, mas devia ter a cabeça noutro planeta.
Claro está que nunca ganhámos um jogo. Chegava a ser penoso. Eu, com a minha estatura mínima, era sempre remetido para o banco de suplentes. O pessoal não tinha muita fé nas minhas capacidades atléticas e hoje, vendo toda esta situação ao longe e com o distanciamento necessário, devo confessar que faziam bem. Claro que os 5 jogadores que entravam em campo eram sempre os amigos do costume. Eram os tipos que tinham maior sorte ao amor, que tinham maior altura e que, também, tinham piores notas nas disciplinas.
“Tu ficas ao banco.”
E perdíamos por muitos. Geralmente 20 era a conta certa e raramente fazíamos um singelo remate à baliza adversária.
Eu era guarda redes, não por vocação, bem entendido, mas porque de entre todas as posições que podia jogar, era aquela que tinha maior hipóteses de jogar porque nunca ninguém queria ficar com essa função. Era uma posição que não dava orgulho, que mostrava incapacidade atlética e competitiva. Um homem vê-se pelos golos que marca e o resto é tudo treta.
“Grande frango.”
Até que um dia o nosso guarda redes chateou-se de vez com o rumo que as coisas estavam a levar. A explicação era simples. Estava de olho na Sandra, uma miúda gira que tinha a mania que era jeitosa e que na verdade era mesmo. Nunca gostei dela porque tinha o estúpido hábito de me desprezar olimpicamente cada vez que lhe tentava mostrar a minha espiritualidade.
“Baza daqui…”
Uma vez a Sandra foi ver o nosso jogo e a motivação nunca foi tão grande para o pessoal. Acreditávamos que a exibição ia impressioná-la. O João, que era o nosso guarda-redes, não queria hipotecar as suas ambições de conquista por aquele pedaço de mulher de mamas já desenvolvidas e não foi ao jogo, deslocando-se ao campo para ficar ao lado dela.
Sem guarda-redes e a ver a vidinha a andar para trás, fui chamado à última da hora para defender as redes dos Invencíveis.
“Agora vê lá o que fazes.”
E eu vi, vi que em vez dos vinte que geralmente sofríamos, a cota subiu para uns míseros 30 e a equipa estava tão lixada comigo que deixou de falar com a minha pessoa durante uma semana. Ainda para mais debaixo da vista da Sandra.
Cada vez que os adversários atacavam a Sandra gritava:
“Olha o frango!”
O João vendo a boa disposição da Sandra embarcou no gozo e também ele gozava com a minha exibição.
“Tas coxo ou quê? Se tivesse eu aí a coisa era diferente. Ai era,era!” – e segredáva-lhe coisas aos ouvidos porque eu bem via lá da baliza.
Fiz o que pude, mas também tenho de me queixar do apoio. Nenhuma voz amiga para me incentivar. Tinha gasto a minha mesada toda numas luvas de guardião de marca rasconhofe. Pensava que com elas seria mais fácil defender as bolas que sobrevoavam a minha grande área. Imagino o que não seria se não as tivesse levado…
O jogo acabou e fomos todos para casa envergonhados.
Sorte teve o João que saiu do campo agarradinho à Sandra e passaram a semana seguinte aos beijinhos. Chegou-se perto de mim após o jogo e, num momento de grande humildade, disse-me baixinho para ninguém o ouvir:
“Obrigado! És um gajo porreiro. Graças a ti é que ando a curtir com a Sandra!”

2 Comments:

Blogger zorg said...

Tiveste uma infância bem dificil, estou a ver...

12:26 da tarde  
Blogger carioca said...

and I thought I was the only blogger with immeasurably long rivers of text...

Muito bem, Hugo, e boa sorte!

L.M. Huesch

1:50 da tarde  

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