quarta-feira, julho 13, 2005

Big Apple

Já há algum tempo que tenho vindo a reparar que o vigor intelectual evidenciado nas primeiras conversas de namoro se veio a perder com o imensurável correr dos dias. Antigamente, uma singela refeição podia demorar horas, sempre nos melhores restaurantes e com um palavreado incessante, albergando um humor denso, tiradas de fina estirpe e observações de uma pertinência glorificante. Foram tempos em que cada dia era fruto duma ânsia de conhecer e de observar a verdade, comparável, apenas, a adrenalina sentida pelo Sr. Galileu quando inventou a sua geringonça ou à minha querida e adorada sobrinha Adriana quando me viu pela primeira vez.
Cinte das minhas obrigações enquanto futuro marido, não permito, com facilidade, que a vitalidade se extinga assim aos poucos. Baseado em artigos de revistas femininas que sempre servem para a alguma coisa, convidei-a para um jantar, um pouco mais carote que os habituais a que vamos. O objectivo era levá-la ao primeiro restaurante a que fomos para revivermos os momentos passados, mas como não me lembrava aonde tinha sido, fiquei-me por um que aprecio e que tem bifes cobertos em gordura.
Aviso já, para que não haja recurso a dúvidas, que o meu interesse pela leitura de revistas femininas vem da obsessão doentia que tenho em escrever um conto erótico para as mesmas. Quer dizer, já o escrevi, mas a resposta que recebi quando o enviei foi bastante cabal: “Você é um porco!” Nem mais nem menos uma palavra. Nem assinada vinha. Por isso, se algum dia um dos leitores tiver a ousadia de tentar o mesmo, fica com o meu conselho, não misture animais com sexo.
Começamos o tão promissor jantar e ela mostrou-se desde logo a sua sensibilidade feminina:
“Já pagaste a luz? Olha que deve estar quase a passar o prazo.”
“Sim. Hum!? Isto é que é um bife, raios partam.”
Ora a verdade é que não me veio nada mais interessante para dizer. Até porque ela já me conhece suficientemente bem para eu lhe poder enfiar uma peta de primeiro encontro. Mesmo assim, sem ter qualquer outra hipótese, tentei:
“Quando fui a Nova York pela primeira vez tinha havido um apagão. Andámos por ali sem ver nada. Já viste o que é estar numa cidade como Nova York às escuras? Nem queiras saber. Ouves os sons, sentes os cheiros, mas não vês nada. Tem tanto de assustador como de apaixonante. ”
Então ela parou de comer, pousou os talheres nos devidos lugares, fixou o olhar em mim. acabou de mastigar, limpou os lábios, dobrou o guardanapo e disse-me numa voz pausada e maternal:
“Precisamos, mesmo, de ter um filho.”

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Que fofinho!

1:02 da tarde  

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