segunda-feira, julho 11, 2005

O estranho mundo de Hugo

Astuto como é meu apanágio ser, reparei durante os últimos dias uma certa estranheza que se evidenciava, matreira, na face da minha a namorada. Como sou homem habituado às manhas femininas, deixei-me andar como se nada tivesse acontecido, até porque mais cedo ou mais tarde havia de a apanhar de uma maneira sublime. Nada de perguntas, nem de insinuações, deixá-la andar, dar-lhe espaço. Quando elas escondem alguma coisa importante evidenciam um súbito e inexplicável acréscimo do trabalho doméstico. Por exemplo, já nem me lembro a última vez que tive de lavar a loiça e, digo com toda a honestidade, que só nos juntámos mediante a jura ao lema sagrado: “Eu faço o comer, tu lavas a loiça.”
Em situações semelhantes, onde o macho dominador pensa: “aqui há gato”, o melhor que tem a fazer é armar-se em estúpido, continuar a interessar-se por futebol e pelo fiel ou infiel. Uma mulher é como a equipa de futebol do Benfica, mais tarde ou mais cedo comete um erro e evidencia as fragilidades defensivas.
Maior estranheza senti ao vê-la a escrever, secretamente, num caderninho. Senti que a resposta aos meus anseios estava ali. Quando nos conhecemos, já lá vão 3 anos, ela disse-me que, por vezes, escrevia algumas considerações pessoais num pequeno livro. Eram, na verdade, confidências que tinha a intenção de enterrar, fechadas numa capsula, numa qualquer terra por onde passasse para, caso o destino o quisesse, serem desenterradas décadas mais tarde, quando o mundo se regesse por códigos morais diferentes. Na verdade, o objectivo era dar a conhecer a sua vida a uma qualquer pessoa do futuro.
Já se sabe, quando se conhece alguém, nos primeiros encontros, são sempre ditas enormidades de mentiras que tendem a impressionar o parceiro. Eu pelo menos sou assim. De forma que sempre julguei que aquela conversa fosse para eu a achar interessante e sensível.
Mas ao vê-la, recentemente, tão compenetrada num caderninho, e a escrever nele volta e meia, fez-me saltar a curiosidade. Vai daí esperei até que ela não estivesse em casa para o procurar. Desarrumada como é, não seria muito difícil dar com ele. Lá o encontrei numa das 100 malas de que é detentora. Abri:
Segunda Feira:
Manhã: 1 torradinha, 1 copo de leite e uma maçã
Meio da manhã: 1 iorgurte e 3 bolachas sem açucar
Almoço: 1 Sopa
Meio da Tarde: 1 iogurte e 3 bolachas sem açucar
Jantar: 1 dose de cereais light com leite